Faltam-nos palavras
certas para falar sobre morte às crianças. Afinal, por mais religiosa que uma
família possa ser ninguém parece preparada para enfrentar esse momento.
Pronto, te matei! Através de brincadeiras a criança extravasa sua energia sem saber o significado da palavra morte, matar ou morrer. Depois que um elimina o outro elas se revezam no papel e alegria continua. Muitos se divertem arrancando asas de borboletas, matando formigas, porque não associam esta destruição à morte.
O verdadeiro sentido da morte (absolutamente natural e inevitável) só chega à criança quando alguém próximo acaba falecendo. Então, dispara as perguntas do tipo: O que é morrer? Por que ele foi embora? Não volta mais? Por que o médico não conseguiu curar? Vocês também vão morrer? E eu?...
Essa situação se tornaria menos traumática se as pessoas não negassem a existência da Morte e a questão fosse discutida com os filhos.
Mas não em tom solene e sussurrante como se fosse algo sagrado ou proibido. Isso só serviria para aumentar as dúvidas e a ansiedade.
O ideal é utilizar acontecimentos concretos do dia a dia. Quando a criança arranca uma flor, convém explicar que não deve agir assim porque machuca a plantinha.
Que ela tem o seu tempo de nascer, crescer e murchar. Além disso, merece desfrutar do seu período no jardim da melhor forma. O mesmo se aplica àqueles que afogam pintinhos, corta o rabo da lagartixa.
Diante da morte do animal de estimação a família é obrigada a conversar sobre o assunto. Do ponto de vista afetivo, não há diferença entre animal e ser humano para crianças menores. Então, porque não recorrer ao mesmo ritual usado pelos humanos, não jogar o peixinho no vaso sanitário, não jogar o passarinho no lixo. Tais medidas passam idéias de que os mortos não valem nada.
A doença, a morte e o velório de Mário Covas, expostos todos os dias na TV, foram acompanhados por crianças e adultos sentados no mesmo sofá, às vezes, no colo.
Para os especialistas, esse velório coletivo e familiar, é uma vivência importante para as crianças. Ajudará a reduzir sentimentos de culpa e facilitará o diálogo no caso da morte em família.
As crianças muitas vezes se sentem responsáveis pela morte de um ente querido. Visto que ela, numa ou noutra ocasião, talvez se tenha zangado com a pessoa que morreu, podendo chegar a crer que as idéias ou palavras zangadas causaram a morte dele.
Não hesite em usar palavras reais, tais como “morto” e “morte”. Não ajuda nada dizer que o falecido foi fazer uma longa viagem. O que mais preocupa a criança é o medo de ficar abandonada, especialmente quando o pai ou a mãe morreu. Dizer-lhe que a pessoa falecida foi fazer uma longa viagem pode apenas reforçar o sentimento de abandono da criança e ela pode raciocinar: “Vovô foi embora e nem mesmo se despediu”. Tenha também cuidado, com as crianças pequenas, quanto a dizer que a pessoa falecida foi dormir. As crianças tendem a tomar as coisas de forma bem literal, podendo associar o sono com a morte.
O importante é falar com acolhimento, mas sem omitir os fatos. “A realidade de morte tem fim, o imaginário da criança é infinito”.
As tentativas de poupar a criança do sofrimento que acompanha a morte podem fazer com que ela não aprenda a lidar com as perdas. Esconder é a pior atitude que um adulto pode tomar, pois significa negar a morte e ensinar a criança a agir da mesma forma.
“A criança experimenta o sentimento de perda desde cedo ao ter desejos não realizados. Tomar atitudes para mostrar que nem tudo acontece com os nossos desejos e que nem sempre podemos manter o que temos é um jeito de ensinar a criança a lidar e a conviver com a morte”, diz o psiquiatra Miguel Roberto Jorge.
A compreensão que a criança tem do assunto depende da personalidade, do amadurecimento próprio da idade e da ligação mantida com a pessoa que morreu. Por isso ela mesma se encarregará de estabelecer parâmetros para mostrar o que consegue entender. “A criança vai perguntando o que precisa saber. Não é necessário fazer uma explicação filosófica para explicar o que representa morte”.
Para ajudar as pessoas próximas a entender e tentar amenizar o sofrimento dos pequenos nesse momento difícil, a Academia Americana de Pediatria preparou um guia sobre a percepção de morte em diferentes idades.
Até 2 anos
A criança percebe a morte como separação ou abandono. Ela pode reclamar os cuidados da pessoa que se foi ou se sentir desamparada, mas não terá o real entendimento do que aconteceu.
2 a 6 anos
idade, a percepção é de um fato reversível ou temporário. A criança tende a achar que a pessoa que morreu foi castigada.
6 a 11 anos
Começa a ser criada a percepção de que a morte é irreversível. Ainda assim é muito difícil para a criança lidar com a idéia de que a pessoa amada não voltará mais.
11 anos ou mais
A criança já vê a morte como universal, irreversível e toma consciência de que ela própria um dia vai morrer.
Contar a verdade e ao mesmo tempo transmitir segurança é a melhor maneira de lidar com a mais difícil das questões
O que fazer
Explicar o que aconteceu com delicadeza: O vovô morreu é melhor do que “o vovô está descansando”. Perguntar à criança se deseja ir ao enterro, tomando o cuidado de avisá-la que, no local, haverá um caixão e gente chorando.
Dizer de maneira simples o que ocorre com o corpo de quem morre: que ele é colocado em uma caixa especial, mais tarde enterrada num lugar que a família pode visitar, e que isso não é desconfortável, pois quem morre não sente mais dor nem medo.
A criança pode querer saber se ela também morrerá ou se os pais terão o mesmo destino. O que se pode fazer é reiterar que isso provavelmente vai demorar para acontecer e que os pais farão tudo o que estiver ao seu alcance para preservar a saúde dos filhos e a deles próprios.
Ficar atento a comportamentos de regressão ou de perda prolongada de apetite. Ao saber que o avô morreu porque estava velho, a criança pode reagir negando-se a crescer e, portanto, a morrer também. O sintoma persistente requer ajuda de especialistas.
Manter a rotina o mais inalterada possível. Diante da perda, as crianças menores costumam preocupar-se com aspectos concretos: “Quem vai me buscar na escola agora?” ou “Quem contará histórias para eu dormir?”
O que não fazer
Obrigá-la a comparecer ao enterro ou a ficar até o fim.
Não esconder nem exagerar a dor diante dos filhos. É preciso mostrar pesar na presença deles, tentando tomar o cuidado de não fazê-lo em intensidade capaz de levá-los a pensar que a situação está fora de controle.
Censurar comportamentos, que, à primeira vista, não parecem relacionados com o luto, como distração, desorganização ou hiperatividade. Pode ser uma forma infantil de expressar o sofrimento.
Tomar qualquer atitude logo depois da morte que reforce o sentimento de perda da criança, como mudar de casa ou transferi-la para outra escola. É preciso considerar de frente, com crianças e adolescentes, a idéia da morte, já que ela está logo à nossa frente e é justamente o que humaniza a vida. E, para os pais que professam uma religião e têm crenças a respeito do após-morte, também não há problema nenhum em transmitir isso a criança.
Maria Cristina Mariante Guarnieri
Pronto, te matei! Através de brincadeiras a criança extravasa sua energia sem saber o significado da palavra morte, matar ou morrer. Depois que um elimina o outro elas se revezam no papel e alegria continua. Muitos se divertem arrancando asas de borboletas, matando formigas, porque não associam esta destruição à morte.
O verdadeiro sentido da morte (absolutamente natural e inevitável) só chega à criança quando alguém próximo acaba falecendo. Então, dispara as perguntas do tipo: O que é morrer? Por que ele foi embora? Não volta mais? Por que o médico não conseguiu curar? Vocês também vão morrer? E eu?...
Essa situação se tornaria menos traumática se as pessoas não negassem a existência da Morte e a questão fosse discutida com os filhos.
Mas não em tom solene e sussurrante como se fosse algo sagrado ou proibido. Isso só serviria para aumentar as dúvidas e a ansiedade.
O ideal é utilizar acontecimentos concretos do dia a dia. Quando a criança arranca uma flor, convém explicar que não deve agir assim porque machuca a plantinha.
Que ela tem o seu tempo de nascer, crescer e murchar. Além disso, merece desfrutar do seu período no jardim da melhor forma. O mesmo se aplica àqueles que afogam pintinhos, corta o rabo da lagartixa.
Diante da morte do animal de estimação a família é obrigada a conversar sobre o assunto. Do ponto de vista afetivo, não há diferença entre animal e ser humano para crianças menores. Então, porque não recorrer ao mesmo ritual usado pelos humanos, não jogar o peixinho no vaso sanitário, não jogar o passarinho no lixo. Tais medidas passam idéias de que os mortos não valem nada.
A doença, a morte e o velório de Mário Covas, expostos todos os dias na TV, foram acompanhados por crianças e adultos sentados no mesmo sofá, às vezes, no colo.
Para os especialistas, esse velório coletivo e familiar, é uma vivência importante para as crianças. Ajudará a reduzir sentimentos de culpa e facilitará o diálogo no caso da morte em família.
As crianças muitas vezes se sentem responsáveis pela morte de um ente querido. Visto que ela, numa ou noutra ocasião, talvez se tenha zangado com a pessoa que morreu, podendo chegar a crer que as idéias ou palavras zangadas causaram a morte dele.
Não hesite em usar palavras reais, tais como “morto” e “morte”. Não ajuda nada dizer que o falecido foi fazer uma longa viagem. O que mais preocupa a criança é o medo de ficar abandonada, especialmente quando o pai ou a mãe morreu. Dizer-lhe que a pessoa falecida foi fazer uma longa viagem pode apenas reforçar o sentimento de abandono da criança e ela pode raciocinar: “Vovô foi embora e nem mesmo se despediu”. Tenha também cuidado, com as crianças pequenas, quanto a dizer que a pessoa falecida foi dormir. As crianças tendem a tomar as coisas de forma bem literal, podendo associar o sono com a morte.
O importante é falar com acolhimento, mas sem omitir os fatos. “A realidade de morte tem fim, o imaginário da criança é infinito”.
As tentativas de poupar a criança do sofrimento que acompanha a morte podem fazer com que ela não aprenda a lidar com as perdas. Esconder é a pior atitude que um adulto pode tomar, pois significa negar a morte e ensinar a criança a agir da mesma forma.
“A criança experimenta o sentimento de perda desde cedo ao ter desejos não realizados. Tomar atitudes para mostrar que nem tudo acontece com os nossos desejos e que nem sempre podemos manter o que temos é um jeito de ensinar a criança a lidar e a conviver com a morte”, diz o psiquiatra Miguel Roberto Jorge.
A compreensão que a criança tem do assunto depende da personalidade, do amadurecimento próprio da idade e da ligação mantida com a pessoa que morreu. Por isso ela mesma se encarregará de estabelecer parâmetros para mostrar o que consegue entender. “A criança vai perguntando o que precisa saber. Não é necessário fazer uma explicação filosófica para explicar o que representa morte”.
Para ajudar as pessoas próximas a entender e tentar amenizar o sofrimento dos pequenos nesse momento difícil, a Academia Americana de Pediatria preparou um guia sobre a percepção de morte em diferentes idades.
Até 2 anos
A criança percebe a morte como separação ou abandono. Ela pode reclamar os cuidados da pessoa que se foi ou se sentir desamparada, mas não terá o real entendimento do que aconteceu.
2 a 6 anos
idade, a percepção é de um fato reversível ou temporário. A criança tende a achar que a pessoa que morreu foi castigada.
6 a 11 anos
Começa a ser criada a percepção de que a morte é irreversível. Ainda assim é muito difícil para a criança lidar com a idéia de que a pessoa amada não voltará mais.
11 anos ou mais
A criança já vê a morte como universal, irreversível e toma consciência de que ela própria um dia vai morrer.
Contar a verdade e ao mesmo tempo transmitir segurança é a melhor maneira de lidar com a mais difícil das questões
O que fazer
Explicar o que aconteceu com delicadeza: O vovô morreu é melhor do que “o vovô está descansando”. Perguntar à criança se deseja ir ao enterro, tomando o cuidado de avisá-la que, no local, haverá um caixão e gente chorando.
Dizer de maneira simples o que ocorre com o corpo de quem morre: que ele é colocado em uma caixa especial, mais tarde enterrada num lugar que a família pode visitar, e que isso não é desconfortável, pois quem morre não sente mais dor nem medo.
A criança pode querer saber se ela também morrerá ou se os pais terão o mesmo destino. O que se pode fazer é reiterar que isso provavelmente vai demorar para acontecer e que os pais farão tudo o que estiver ao seu alcance para preservar a saúde dos filhos e a deles próprios.
Ficar atento a comportamentos de regressão ou de perda prolongada de apetite. Ao saber que o avô morreu porque estava velho, a criança pode reagir negando-se a crescer e, portanto, a morrer também. O sintoma persistente requer ajuda de especialistas.
Manter a rotina o mais inalterada possível. Diante da perda, as crianças menores costumam preocupar-se com aspectos concretos: “Quem vai me buscar na escola agora?” ou “Quem contará histórias para eu dormir?”
O que não fazer
Obrigá-la a comparecer ao enterro ou a ficar até o fim.
Não esconder nem exagerar a dor diante dos filhos. É preciso mostrar pesar na presença deles, tentando tomar o cuidado de não fazê-lo em intensidade capaz de levá-los a pensar que a situação está fora de controle.
Censurar comportamentos, que, à primeira vista, não parecem relacionados com o luto, como distração, desorganização ou hiperatividade. Pode ser uma forma infantil de expressar o sofrimento.
Tomar qualquer atitude logo depois da morte que reforce o sentimento de perda da criança, como mudar de casa ou transferi-la para outra escola. É preciso considerar de frente, com crianças e adolescentes, a idéia da morte, já que ela está logo à nossa frente e é justamente o que humaniza a vida. E, para os pais que professam uma religião e têm crenças a respeito do após-morte, também não há problema nenhum em transmitir isso a criança.
Maria Cristina Mariante Guarnieri
http://marcoaureliorocha5.blogspot.com.br/2011/05/falando-de-morte-para-criancas.html
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